sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Cafeteria




A minha vida toda foi uma facção de egos,
De homens transpassados
Pelo olhar alheio;
De homens alquebrados
Pelo fracasso alheio...

A minha vida poderia ter sido – meramente – outra
Renovável esperança fortuita,
Silente manejo de velas,
Barco na imensidão espumante dos egos!

Agora, a minha vida bóia numa xícara de café!
Calculo o tempo como um homem que desafina,
Investigo os minutos e os ponteiros me orientam
Para o mesmo lugar!

Ah, como eu queria apenas deflagrar
A bala que está aqui, na minha alma!
Ah, como eu queria explodir a vida,
Destroçá-la em lápides partidas!

Abro a porta da cafeteria...
Alguém me grita, ao longe: bom dia!
Estou alheio a tudo e vejo
Que este café me antecede o desejo
De ter aqui quem jamais viria...
É quando, enfim, penso:
Sim, a minha vida se finda
A cada gole, todo dia!

A minha vida toda foi transpassada por olhares,
Carícias, beijos, bocas...
Foi jogada na vala comum – da crueldade –
Abandonada – sempre – como as outras
Existências tolas!

Abro a porta da cafeteria e receio
Que alguém me diga – com nostalgia:
“Este rosto que agora vejo
Não é mais aquele que eu via!”.

Eu sinto que me vou –
Continuamente –
Para o lugar indefinido,
De quase toda gente!

Fecho a porta da cafeteria e me sento.
Lembro as vozes a correr nas vias.
Fisgo, ali, o mero pressentimento
De que vivo, talvez, o último dia.


Ilustração: Café de Flore, em Paris.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Um ano faz que morri


Um ano faz que morri,
Padeci sem saber,
Abati-me sem perceber.
Mas a lembrança
Acompanha-me
Nobres recordações,
Vivas, imóveis,
Insolúveis,
Ao vento...
Doce relento...

Mas o sonho permanece,
Sepultado
Numa praia,
Escrevendo...
Esquecendo-me.
O tempo
Há de calar,
Há de apagar
Aquilo,
Outrora
Tão querido,
Para dar lugar
Ao sentimento
Fecundo.


Luiz Luz
Poeta

Bateu asas seu coração


Meu corpo está gélido,
Não sinto mais seu calor,
O que houve com o amanhecer?
Por que o sol não mais brilhou?

Estou prestes a morrer?
Ou será a dor em não mais te ter?
Meus braços pesam,
Não consigo levantá-los...

Tento segurar sua mão
Para não te deixar partir...
O sol não brilha sem ti,
Em terras onde mora a solidão...


Thiago Rafael
Poeta

Dispersa

E entre tantas camas
Ficaram os dramas,
Velhos romances previsíveis,
A nódoa amargurada nos lençóis.
Ficaram retalhos de mim em cada recanto,
A desejar um fiapo de linha os reúna...
Ficou um caco de mim em cada bar,
A derramar o amargor do sangue ébrio...
Fiquei-me em cada esquina,
A procurar-me nos bocejos da noite em despedida...
Fiquei na companhia dos bêbados,
Na perdição dos que sabem viver,
A romper-me extremos,
Tragando a confusão do já não ser.
Fiquei-me dispersa.
Esperando a imprecisão do dias vindouros.


Rayane Medeiros
Poetisa

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Baseado na saudade


Marcado na agenda do
Imprevisível está o reencontro
De nossas almas loucas.

Por acaso nos conhecemos,
Por acaso nos amamos,
Sem aviso fostes para outro
Mundo, és livre....

O portal pode abrir,
Perambulo no chá da tarde,
Lateja loucura, horizonte infinito
Me dá vontade de correr,
Percorrer, percorrer...

Baseado na noite, digo
Que saudade são cicatrizes,
Vinho tinto, incerteza não será
Motivo para meus olhos tristes.


Ronne Grey
Poeta

Boemia


Recuso beijos apaixonados
Me perco dentro de mim
Sem novas historias
Sem essa de amor
Não, não tou afim.

Me sinto livre
E que permaneça assim.

Não vou esperar borboletas pousarem
Não torço pra que o tempo chegue ate aqui
Quero viver e só
Meu único desejo é liberdade.
Tenho sede de estar livre

Entre letras, beijos e noites de verão
Quero só a risada amiga
A piada sem graça
Café com pão.

Me sinto só
Me sinto bem
Pertenço só a mim
Não quero o coração de ninguém.


Ariany do Vale
Poetisa

Homem-bicho-homem


Os homens se agitam, vão e voltam
Colorem-se e novamente desbotam
Escalam montanhas, observam o mundo
Mergulham no mar, escuro e profundo

Percorrem os caminhos - curiosos
Retornam às origens - saudosos
Adornam-se com as arestas, agora polidas
Que antes eram como flechas, como feridas

Magnífico bicho-homem em seus mil intentos
Com suas mãos faz proezas e inventos
A roda, a vacina, a guerra e o assassinato

Contraditório homem-bicho em seus pensamentos
Ser de raciocínio exato portando sentimentos
Intérprete do bem e do mal a cada novo ato.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Aparição






















Os olhos de interrogação
E a boca de meia lua
Dão a ela essa feição
Indecifrável

Os pés parecem sujos
A expressão é de cansaço

Na fila do pronto socorro
A mulher de meia idade
Me encara com piedade

Há sangue em as saia
E um curativo um sua veia
Me encara com olhar sério
Aquela mulher tão feia

Velha, mal vestida e despenteada
Sua cara tinha cara de saudade
E em seus olhos transparecia sua dor

Pobre, velha e desacompanhada
Pobre mulher sofrida
Que em encara no corredor 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Palavra-ponte


Era a primeira vez que me via frente ao abismo.
Perguntaram-me como faria
para...

Não sabia,
mas o ato de questionar-se era ferramenta sob medida.

Era o tempo da construir.

Descobri... e fez-se a luz mais bela.
A redescoberta: a palavra como ponte.

Perante tantas delas,
não houve abismos suficientes para o impedimento da passagem
para todas as idas e para as voltas todas. Para a vida.


Alessandro de Paula
Poeta

Alma e coração libertos


O sonho amanheceu com a madrugada
E inundou a minha vida de poesia...
Livre da rotina agitada,
Sem compromissos,
Sem horários a cumprir,
Sem a costumeira pressa,
Levanto-me e, pela janela,
Testemunho o espetáculo do raiar do dia.
Ao observar essa cena comum,
- Mas nem por isso menos especial -,
Percebo que, raramente,
Tenho disponibilidade para tal.
Saio em busca do mar...
Do infinito do meu ponto de partida,
Sigo semeando meus próprios passos...
Caminho pela orla de um verde profundo...
Aspiro, com delícia, o cheiro da maresia.
O contato com a água morna do mar
Beijando a areia e lavando os meus pés,
O lapidar das pedras pelas ondas espumantes
Produzindo uma cadenciada melodia,
A brisa suave desalinhando os meus cabelos,
Causando arrepios em minha pele

E, ainda, o azul celeste decorado de branco...
Tudo isso, por junto, praz-me sobremaneira.
Sinto a alma liberta e leve...

De repente, vejo gaivotas no céu...
Trago à ideia um desejo inato:
Adoraria com elas poder voar
E matar a saudade que exora em meu peito.
Então, reflito: para que serve o pensamento?
Por instantes, saio de meu comedido existir...
Sem nexo, sem censura e sem sofrimento,
Na velocidade do pensar, liberto o meu querer...
Na lucidez da felicidade, mitigo desejos alados,
A alma está limpa, livre de ideias preconcebidas ou impostas.
Igualmente desimpedido, o coração vibra
Repleto de amor por ti, pela vida, pelo mundo...


Josselene Marques
Poetisa

Quero-quero

Quero viver entre goles e letras
Quero risos e canções
Quero sons e alegrias
Amores, folia.

Quero um futuro tranquilo
Quero a paz da maresia
Quero gelo na bebida
E transparência na vida.

Quero querer o que eu quizer
E poder ter o poder que não é querer
Quero vida
Quero luz
Quero sempre amor
Quero tudo, seja o que for.


Ariany do Vale
Poetisa

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Desnuda

Poema feito especialmente para a edição de janeiro e fevereiro do jornal cultural CLANDESTINO.

Findar-se agora,
Em fantasias sórdidas,
Estuprar conceitos,
Subverter caduquices...

Pôr-me ao avesso,
Sincronizar perversões,
Estraçalhar rótulos,
Infernizar-me...

Confrontar-me, discordante –
O poeta e o ateu...
Reinventar-me,
Desnudar-se do eu.


Rayane Medeiros
Poetisa

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Bem-vindo

Na calmaria de um ano novo que se apresenta
Um intenso verão de amor que se inventa

Na paz da brisa que venta
Em um nascer de sol na areia do mar

Nos beijos da luz na água
E no canto do tempo sobre a vida

Sem muitos planos
Sem desamores e enganos

Em um novo ano de luz e paz
A renovação da alma
E do coração que se faz.


Ariany do Vale
Poetisa

Procuram-se loucos

Procuram-se loucos,
Dos mais tolos possíveis.
De amigos invisíveis
A parafusos soltos.

Procuram-se loucos,
Para asilos recentes.
Procura-se por todos
Considerados dementes.

Procuram-se loucos,
Atestando insanidade.
Procura-se por bobos
De todas as idades.

Procuram-se loucos,
De virtudes duvidosas
Procura-se por poucos
Mas dispostos a tudo.

Para uma revolução;
Um grande ato
[pura loucura].
Para salvar a nação
Da mesmice
Contemporânea.


Luiz Luz
Poeta

Inundação

Era noite de bafo quente.
A rigor, madrugada.

O calor batido fê-lo carne voar longe.

Um estampido.
Feito tiro, finalizando tudo:

O semáforo verdevermelho,
A rua de passantes apressados,
O coletivo cheio de curiosos.

Uma batida quente e escura
Inundou o asfalto de sangue e carne fraca
E fê-lo findar.

Era noite de bafo quente
O dia que experimentou ser

livre.


Nina Rizzi
Poetisa

Solitário

As aves voam com liberdade,
O sol nasce ao clarear do dia,
E eu preso com essa saudade,
Na solidão, à noite, sem alegria.

Que a maré me traga o sorriso
Junto com ele vem meu sonhar...
O vento traga o ar que preciso
Para esperança poder respirar.

A primavera traga o amor,
O verão me traga sua luz,
O outono me traga sabor...

Que a estrela volte a brilhar,
A brisa alivie meu sofrimento,
O futuro me faça saber amar.


Joedson Morais
Poeta